(Imagem retirada da Internet)
Querido diário,
Quarteira, 24 de
junho de 2016
No outro dia, mudou-se para o meu prédio
um casal. Aparentemente um casal simples e simpático. Ela, alta, bonita, loira,
com uns grandes olhos azuis. Ele, magro, esguio, com um sorriso desmedido.
Tinham dois filhos e vinham do norte do país.
A sua simpatia, a mim, parecia-me
excessiva, todos aqueles sorrisos e as palavras bonitas são apenas uma
máscara para que a realidade não transpareça. Nenhuma família vive num conto de
fadas onde o arco-íris e os unicórnios são peças fulcrais do dia a dia.
Hoje, depois da escola, quando cheguei a
casa, ouvi gritos no andar de cima, na casa do tal casal. A princípio não
liguei, fui lanchar enquanto ouvia música. De repente, o meu irmão mais novo
veio ter comigo muito assustado e a chorar. Desliguei a música e pusemo-nos à
escuta, os gritos eram de uma mulher, horríveis e aterrorizadores, senti uma
angústia tão grande que decidi ir confirmar.
Subi as escadas e bati à porta, o
silêncio percorria as escadas e todo o prédio, nunca eu tinha gostado tanto do
doce sabor do silêncio. Demoraram mais de um minuto a abrir a porta; do outro
lado estava um homem a trabalhar no computador, os filhos sentados à mesa a
estudar, e a mulher, que era quem segurava a porta, sorria para mim, como
sempre. Todos me cumprimentaram e eu tive de arranjar uma rápida desculpa,
disse que precisava de batatas para fazer o jantar (desculpa um bocado parva,
eu sei, sendo que ainda eram 16:00h da tarde, mas não consegui arranjar
melhor). A senhora deu-me batatas suficientes para fazer um jantar para mais de
10 pessoas. Voltei para casa, nada tranquila, porque na verdade aquela imagem
tinha um erro muito, muito grande. Tranquilizei primeiro o meu irmão e fui para
o meu quarto, deitei-me na cama e fiquei a olhar para o teto.
Afinal, aqueles
gritos tinham mesmo água no bico, o problema é que não tinham nada a ver com o
que eu pensava. Aqueles gritos eram, sim, da mulher, mas não de dor ou de
sofrimento, de mágoa ou de terror, eram gritos de uma mulher que maltratava os
filhos e o próprio marido. Estavam a passar-me na mente todos os relatos da
televisão, mas, neste caso, algo muito pouco comum, uma mulher que pratica a
violência doméstica e não ao contrário. Sei que nós, mulheres, sofremos muito
mais do que os homens relativamente à violência doméstica; há estatísticas que
o comprovam, mas este caso era mais uma exceção.
Quando a minha mãe chegou a casa, depois
de muito pensar, decidi contar-lhe, mas acabei por me arrepender, talvez
tivesse visto mal, talvez as marcas que vi nos filhos e no marido fossem impressão
minha. Disse-lhe que não devíamos fazer nada e que devíamos esperar para ver se
acontecia de novo. A minha mãe discordou, fez um discurso que me fez ver que se
esperássemos por um amanhã, talvez esse não chegasse para essa família. É por
não haver denúncias da maior parte dos vizinhos ou conhecidos que as mortes têm
aumentado bastante em Portugal. Por isso, eu e a minha mãe enchemo-nos de
coragem e denunciámos o caso.
Tenho a certeza de que vou saber novidades
sobre essa família, mas só espero que a minha denúncia os ajude. Só espero que
aquelas crianças e aquele pai possam sorrir verdadeiramente e possam ser
livres, porque todos merecemos ser felizes.
Carolina Figueiras
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