Lembro-me
como se fosse ontem, passávamos o nosso tempo livre na praia. Era o nosso
“esconderijo”. Adoro a praia a qualquer altura do ano, mas especialmente no
Inverno e no Outono. “Era uma praia muito grande e quase deserta onde havia
rochedos maravilhosos”. Um mundo paralelo onde só eu e ele existíamos. O mar
dizia-nos os seus segredos mais profundos e eu ficava fascinada a ouvi-los e a
sonhar. O vento falava também, mas com um zumbido fraco. Os pés a enterrarem-se
na areia “branca e fina” era uma das melhores sensações que já tive a
possibilidade de sentir até hoje. “E a água do mar era transparente e fria”
Íamos para
lá, quer fizesse sol ou chuva, ficávamos até ao por do sol e falávamos dos
nossos sonhos e desejos, das novidades e dos problemas, sentia-me segura, ali,
junto a ele.
Cada um
estava numa escola diferente, por isso, aquele era o único momento em que
podíamos estar juntos. As nossas casas ficavam muito próximas, mesmo em frente á
praia. Os nossos pais eram muito amigos, quase inseparáveis, diria eu, por
isso, muitas vezes, juntavam-se e viam-nos da janela, assim, desde crianças
sempre fomos muito independentes, no entanto, muito próximos.
Certo dia,
eu e o Rodrigo fomos à praia como era habitual, naquele dia, ele ia triste,
mesmo quando tinha problemas, nunca ficava assim. Sentámo-nos na areia, eu
comecei a ficar preocupada. Ele ainda não tinha dito uma única palavra e já lá
estávamos há algum tempo. Como não sabia o que fazer, dei-lhe a mão e disse-lhe
que podia contar comigo, só falaria quando e se sentisse vontade. Começou a
chorar… até aquele dia nunca o tinha visto chorar! Então debrucei-me e dei-lhe
um longo abraço. Ele era “o meu melhor amigo”.
Quando
estava mais calmo, começou a falar. Contou-me que o seu pai tinha tido uma
proposta de trabalho e que a iria aceitar. Estavam todos muito contentes lá em
casa. Na altura, não percebi o motivo de tanta tristeza. Parecia-me uma boa
novidade o pai ter arranjado um emprego, já que estava desempregado. Tinha só
onze anos, não percebia onde ele queria chegar...
A proposta
de trabalho não era no Algarve e sim no Norte do país. Não me lembro de mais
pormenores, fiquei sem saber como reagir, sem saber o que dizer. Lembro-me
apenas que as lágrimas corriam-me pela cara. Eramos novos, mas ele era o único
verdadeiro amigo que eu tinha, mesmo sendo um ano mais velho. E ainda havia
mais… a pior parte…ele ia embora no dia seguinte. Tinha guardado aquele segredo
durante duas semanas, sempre fingindo estar bem para não estragar os nossos
momentos na praia.
Reagi mal,
muito mal. Fui para casa e não sai do quarto. Sentia-me traída e com muitos
outros sentimentos que para uma criança eram fortes de mais. Achava que aquelas
duas semanas deviam ter sido aproveitadas sempre até ao último minuto, mas ele
apenas quis que tudo fosse igual e principalmente não me quis ver triste. No
dia seguinte, não me fui despedir dele. Escondi-me na praia, sozinha. Hoje,
estou muito arrependida! Perdi completamente o contacto com o Rodrigo e com os
pais. Já o procurei no -“facebook”-, mas não o encontro.
Hoje, com os
meus dezassete anos, ainda penso nisso. No entanto, a vida continua. Continuo a
viver no Algarve, onde sempre fui muito feliz. No princípio, deixei de ir à
praia…mas mais tarde, percebi que independentemente da saudade que sentisse,
aquele lugar teria de ser sempre lembrado e vivido por mim. Nunca levei ninguém
para lá, nem mesmo o meu namorado. É o meu esconderijo. A minha mãe
preocupava-se comigo, dizia que eu estava agarrada ao passado, mas eu sentia
que devia preservar a memória daquele sítio tão especial para mim. Vou para lá
quando quero estar só, para ler, estudar, pensar, escrever sempre ao som do mar
que é a única melodia que me acalma. Mesmo não sendo com ele, aquele lugar
continua a ser um lugar muito especial para mim é o meu lugar secreto.
Estou no
curso de humanidades e pretendo ser a primeira portuguesa com livros escritos e
traduzidos para o maior número de línguas possível, além das muitas adaptações
cinematográficas. Quero mostrar que os Portugueses são bons naquilo que fazem,
que o futuro é nosso, pois somos nós que o fazemos. Quero que todos leiam os
meus livros e sintam os sentimentos e emoções que as palavras vão transmitindo,
tal como o mar faz comigo, transportando os mais variados sentimentos. Gosto
também muito de dançar, por isso considero-me uma boa bailarina.
A vida
continua, apesar de tudo, a saudade fica. E a saudade doí, dói muito, “é a
tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora” e ao
longo destes anos todos era exatamente isso que eu sentia.
Depois do
Rodrigo partir, já fiz muitos amigos e já conheci muita gente, muita gente que
amo. Tenho uma amiga, a minha melhor amiga, ela vive longe, mas ninguém ocupa o
lugar de melhor amigo.
A vida
corre-me bem. As notas na escola estão ótimas, desde nova comecei a
investir na minha futura “carreira”. Tenho muito apoio do meu namorado, a
propósito, chama-se Alexandre mas como gosto de diminutivos chamo-lhe Alex. Ele
é dois anos mais velho. Começamos a namorar há dois meses. Foi um pouco confuso
e rápido, acho que nem o conheço bem, contudo, sinto-me bem ao seu lado, e o
apoio dele agrada-me.
Não preciso
de flores todos os dias, de prendas todos os dias e de carinho a toda a hora,
só quero uma pessoa que me ame tanto quanto eu. O facto de escrever também me
torna bastante realista, contudo acho que me tornei um pouco fria desde que o
Rodrigo foi embora. Parece que todos os caminhos vão dar até ele. Às vezes, não
sei se estou feliz ou não, uma vez que há um vazio dentro de mim, mas talvez
isto seja o que as pessoas felizes sentem, não sei!
Fui para a
escola como num dia normal. Quando lá cheguei fui para junto do Alex, demos um
beijo longo, acho que ele se esforça de mais para me agradar, não gosto muito
disso. Tocou e tive de ir para a aula, íamos para Português. Não me relaciono
muito com a turma, todos os meus amigos ficaram separados em turmas diferentes
ou noutras escolas. Sento-me sempre sozinha numa mesa com os livros e um
pequeno bloco onde aponto tudo o que me vem à cabeça, esse bloco anda sempre
comigo.
Estava
completamente noutro mundo, quando entrou um rapaz na sala e pelo que me
apercebi era um aluno novo. Não ouvi ou vi mais nada além disso. Ele sentou-se
ao meu lado (nunca ninguém se sentava ao meu lado), talvez porque as pessoas me
acham um pouco estranha. Não falámos, nem sequer lhe perguntei o nome, nem ele
a mim. Fiquei com aquele rapaz na cabeça, fazia-me lembrar o Rodrigo, mas era
completamente impossível, sabia-o.
Passei a
tarde com o Alex e fomos ao cinema, almoçámos depois fomos fazer uma caminhada.
Acho que nessa altura senti o quanto começava a gostar dele. A sua presença
fazia-me sorrir e consequentemente feliz. A minha mãe não gostava do nosso
relacionamento, dizia sempre que tinha um ar pesado e negativo, que não era
pelas roupas, mas, sim, um pressentimento de mãe. Ouvia-a dizer muitas vezes ao
meu pai que ele não me iria fazer feliz.
Quando
cheguei a casa, fui buscar o meu bloco, uma caneta e fui em direção à praia.
Hoje mais que nunca, estava precisar dos conselhos sábios do bater das ondas do
mar, dos assobios do vento, do “cantar” das gaivotas e do calor vindo da areia.
No caminho,
bem lá do fundo, vi alguém sentado no “meu” lugar! Alguém que não me conhecia e
que não soubesse que aquele era o “meu” e só o “meu” sítio. Na verdade, era meu
e do Rodrigo. Cheguei perto e reconheci-o imediatamente: era o rapaz que se
tinha sentado ao meu lado, na aula de português.
Então
disse-lhe:
- Olha, desculpa mas desde pequena que venho para aqui escrever, e não quero ser mal-educada mas este é um sítio muito pessoal.
Ele ficou a olhar para mim pelo menos durante alguns minutos. Sorriu e eu nem percebi nada, como é lógico, não retribui o sorriso. Um estranho a sorrir para mim, quando eu estava literalmente a mandá-lo embora, um pouco estranho, no mínimo, entretanto perguntou-me:
- Costumas fazer o quê neste lugar que é “teu”, Catarina?
- Vinha muitas vezes aqui com o meu melhor amigo, alguém muito importante para mim, desde muito pequenos, ele e eu eramos muito unidos. Vínhamos falar, brincar, ouvir o mar, as gaivotas, ver o pôr do sol, ouvir o vento, sentir a areia, o cheiro a maresia pelas manhãs, imaginar as imagens das nuvens, ver o tempo passar, aqui tudo era bonito. Neste lugar e com ele, nada era aborrecido. Apesar dele não estar aqui, isso não significava que este tenha deixado de ser o “nosso” lugar, mas tu não percebes, também não sei porque te estou a contar tudo isto.
- Por acaso, até percebo e bastante bem.
-Percebes?
-Sim!
Estava a sorrir de novo, e eu começava a achá-lo sarcástico, coisa que detesto!
- Pois, quem não está a perceber nada sou eu. Como é que sabes o meu nome? Ainda não te tinha dito.
Ele levantou-se da areia, olhou para mim, sorriu mais uma vez. Eu tinha cada vez mais a certeza que conhecia aquela cara, aqueles olhos e aquele sorriso.
- Olha, desculpa, ainda não me apresentei, chamo-me Rodrigo.
Não sei como é que eu estava naquele momento. Fiquei completamente estática e paralisada. Olhei para ele, acabei por sorrir. Estava tão contente que saltei para os seus braços, acabamos por cair os dois na areia.
Eu já ria e
chorava tudo ao mesmo tempo. Senti uma explosão de emoções, alegria,
felicidade, raiva, medo. Nunca me tinha sentido assim, com tantos sentimentos
fortes e diferentes, mas a sensação de felicidade, essa era muito grande, nem
mesmo com o Alex nos momentos mais felizes, estive lá perto.
-“Estou tão feliz, tão feliz, tão feliz! Pensei que nunca mais te ia ver” Como é que tu? Porque é que tu?...-acho que estava a gaguejar naquele momento.
-Parece que tenho muita coisa a explicar e a contar-te.
- Pois tens mesmo, por onde andas-te? Tive tantas saudades tuas… Lembro-me na altura, em que partiste, de pensar: “nunca mais o vou ver” ou “nunca mais nos poderemos encontrar”.
- Não houve um único momento em que me esquecesse de ti, achei que não te iria encontrar aqui, muito menos porque naquele dia não te despediste de mim.
-Era uma criança, estava magoada por não me teres contado há mais tempo que te ias embora.
-Eu entendo, devia ter-te contado logo, mas queria que as coisas fossem genuínas e verdadeiras e que sofresses o mínimo possível: acabei por fazer tudo errado.
-O que passou já passou.
Estávamos exatamente onde costumávamos estar antes, sentados exatamente no mesmo sítio, virados para o mar e para o infinito. Ouvia-o atentamente, mas estava também de olhos postos nele. Pensava no quanto ele tinha crescido, no quanto ele tinha mudado. Estava um homem! Os seus olhos azuis da cor do mar, sempre me cativaram, mas nunca tanto como agora.
-Tens razão, então de uma forma muito rápida conto-te: depois de irmos para o Norte, passado um ano mudámo-nos para Londres, o meu pai conseguiu um cargo melhor e nunca me faltou nada.
- Então, por isso, é que nunca consegui contactar-te.
-Pois e eu digo-te o mesmo, procurei-te por toda o lado e nada.
- Estive sempre aqui! Agora voltas-te porquê e com quem?
- Vim por ti e por mim, sem os meus pais. Vim sozinho, tive uma conversa com eles, disse-lhes que gostava de cá voltar, ver o que realmente quero para mim. Eu sei que em Inglaterra terei muitas hipóteses especialmente com a ajuda do meu pai, mas sabes como sou, quero sempre ir por mim.
Quero
acabar o décimo segundo ano em Portugal, depois decido o que vou fazer da vida.
Vim por ti porque nunca te esqueci, precisava de te ver. Precisava de saber
como estás, não sei porque tive essa necessidade.
O meu coração parou durante um milésimo de segundo. Estava com muitas borboletas na barriga, não sei o que se passava comigo. Continuámos a conversa até decidir ligar à minha mãe, contar-lhe a novidade, ela ficou muito feliz, convidou-o para jantar lá em casa. Depois do jantar, das histórias de infância e de todos os momentos divertidos, voltámos para a praia e passámos lá a noite sem dormir, a contar todos os episódios da vida que nos lembrávamos. Continuava com aquele sentimento estranho, aquela felicidade e aquelas borboletas na barriga. Continuava sem saber o porquê, mas era bom. Estive assim a noite toda. Tinha tantas saudades daquele rapazito que agora já era um rapaz.
De
manhã ao nascer do sol, ficamos deslumbrados a olhar para aquele momento único,
como quando eramos crianças. Naquele momento ele deu-me a mão e apertou-a com
força, deixei-me cair nos seus braços. Ficámos assim até o sol estar bem alto.
Sempre em silêncio, a ouvir todos os sons da natureza, especialmente do mar que
sempre foi o nosso favorito.
Fomos juntos
para a escola, já não precisava de me sentar sozinha nem de estar sozinha.
Tinha-me esquecido completamente do Alex.
Quando entrei pelo corredor com o Rodrigo, o Alex apareceu de rompante e deu-me um longo beijo como sempre fazia. Fiquei sem saber o que dizer nem o que fazer, mas o Alex tratou do assunto.
- Então e quem é este?
- Ah, Alex este é o Rodrigo, Rodrigo este é o Alex.
- Prazer em conhecer-te Rodrigo. Vens comigo lá fora, amor?
- Sim, claro que sim. Até já, Rodrigo.
Estava completamente absorvida pela situação e a pensar no que poderia estar a passar na cabeça do Rodrigo, que nem dei importância ao que o Alex queria. O Rodrigo era o meu melhor amigo, ele tinha-me contado que tinha estado com algumas raparigas, nada sério e eu não percebo o porquê de eu não lhe ter conseguido contar que tinha um namorado que por acaso não me fazia sentir especial como eu pensava.
A minha
cabeça estava prestes a explodir, um emaranhado de pensamentos. O dia de aulas
passou a correr, o Rodrigo tinha desaparecido, não foi nem à primeira aula da
manhã, nem a nenhuma outra. Eu não tinha o número do telemóvel dele, como poderia
ter? Tinha acabado de se mudar, nem a sua casa sabia onde era. Esperei até à
hora de ir para a praia. Ele estava lá, parecia estar à minha espera. Fui até
lá devagarinho e disse:
- Estás zangado comigo?
- Não, não estou zangado, apenas percebi que não confias em mim e não estava preparado para isso. Ontem, contei-te tudo a meu respeito, claro que me posso ter esquecido de algumas coisas, mas o essencial da minha vida, já o sabes.
- Não sei porque não te contei. Não consigo explicar, foi tudo muito rápido e não vou mentir, dizer que não me lembrei, porque não é verdade, lembrei-me, mas não encontrava as palavras certas para te dizer. Desculpa!
- Tu só contas o que quiseres. Tens razão nisso também.
- …Mas eu queria contar, queria mesmo.
- Tudo bem, vamos agora com calma, as coisas vão surgindo e nós vamos contando, ficamos mais um pouco até o sol se pôr? Tenho muito para fazer hoje.
Senti que ele tinha ficado realmente magoado e tinha razões para isso, não dissemos muito mais até irmos para casa.
Tive umas
insónias enormes naquela noite, porém serviu para pensar. Tinha de esclarecer
todas as minhas dúvidas, tinha minha cabeça num turbilhão.
Decidi no
dia seguinte “dedicar-me” mesmo ao beijo que recebo todas as manhãs do Alex.
Foi exatamente o que fiz e como já o esperava não senti nada. Na realidade,
nunca tinha sentido nada. Nem deixei que ele repetisse o beijo. Combinei
falarmos no final das aulas, combinámos beber um café, o objetivo era
aproveitar a oportunidade para lhe dizer o que sentia ou o que não senti por
ele.
A conversa
correu bem, ele reagiu bem ao meu pedido ou então disfarçou muito bem.
Não estava
feliz comigo própria por ir terminar o namoro com o Alex, contudo sentia-me
bem, sentia-me mais leve, talvez a minha mãe tivesse razão e ele não fosse o
homem para mim.
Nessa tarde,
não fui à praia, quase nunca falho, como já era tarde, liguei para o Rodrigo,
que já tinha telefone, para lhe contar o que se tinha passado. Ficámos algum
tempo a falar, expliquei-lhe os meus sentimentos. Ouviu tudo sem interromper.
Já não estava zangado, falava com a sua voz doce e meiga, aquela voz que eu
conhecia tão bem, então disse:
- Fazes o que sentires que é melhor para ti, vou sempre apoiar-te.
Essas palavras ficaram na minha mente. Estava bem, sabia que era o correto. Nessa mesma noite, quando já estava a dormir o Alex ligou-me. Estava bêbado, consegui perceber pela sua forma de falar. Pediu-me para eu ir à praia, ao sítio que tanto gostava. Achei que era minha obrigação ir. Levantei-me, vesti-me, fiz o mínimo de barulho para os meus pais não acordarem e fui ter com ele.
Estava sentado, sentia o odor a vómito por toda o lado, mas não consegui-a ver onde. Olhei para ele. Ouvi a sua voz e senti o hálito a álcool.
-Como pudeste deixar-me? Achas que não percebi? Eu bem sei que foi por causa do teu amiguinho que chegou. Já sei de tudo, este é o vosso sítio, o teu sítio. São amigos de infância, hã? Nunca me tinhas trazido aqui porquê? Se é tão especial para ti? Foi preciso eu descobrir as coisas sozinho?
Na verdade, não lhe tinha dito nada, não estava a perceber como ele descobrira tudo isso, mas mesmo antes que eu pudesse dizer uma palavra ele levantou-se e começou a bater-me, desde puxões de cabelos, a socos na cara, na barriga, em todo o lado. Eu já não sentia a dor que me estava a causar, só me lembrei das palavras da minha mãe: “ele não é bom para ti, meu amor, fica longe dele”. Quando se deu por satisfeito, fez-me um aviso. Sei que tinha a ver com o Rodrigo, só não me lembro o que disse ao certo, porque estava a perder a consciência. Foram as últimas palavras que ouvi, acho que depois desmaiei.
Acordei na manhã
seguinte, sei que fui encontrada por um pescador, já tinha chamado os meus pais
e uma ambulância, ficaram todos preocupados comigo, incluindo o Rodrigo. “Era
como se tudo tivesse sido um sonho."
Fui para o
hospital, disse sempre que tinha sido assaltada. Não podia correr o risco do
Alex fazer mal ao Rodrigo. No dia em que me deram alta, recebi um ramo de
flores com um cartão do Alex. Senti um arrepio no estômago, li o cartão, não
tencionava contar isto a ninguém, não havia necessidade. Dizia assim: “Meu amor
já sei que estás recuperada, a partir de hoje encontramo-nos todas as noites na
praia para que aquele seja o nosso sítio e de mais ninguém. Mantem-te afastada
do Rodrigo. Com amor Alex.”
Tudo corria bem, quando ele não ia bêbado, apesar de me dar nojo sentir o seu cheiro. Com o passar do tempo ia todas as noites bêbado. Eu acabava sempre por receber algum tipo de agressão, física ou psicológica, ameaças, chantagens ou insinuações, porém suportava tudo e em silêncio pelo pavor que sentia de que este concretizasse as ameaças que fazia todos os dias. Sofria por amor aos meus pais e pelo Rodrigo. O ciúme e a raiva do Alex parecia-me capaz de tudo. Sabia que o Rodrigo percebia que eu estava a afastar-me. Vinha por diversas vezes falar comigo, contudo eu afastava-o.
Até ao dia em que ele decidiu seguir-me pois a minha mãe sabia que eu saia à noite. Já tinha visto algumas nodoas negras espalhadas pelo meu corpo, apesar de eu desculpar-me com os móveis ou com as cadeiras estragadas da escola.
Nessa noite
fui para a praia, como sempre, aquele lugar continuava a ser apaixonante apesar
de não ir para lá com a pessoa que eu amava. Fazia um mês que não falava com o
Rodrigo. Cheguei à praia e nem foi preciso falar. O Alex estava tão bêbado que
começou logo a pontapear-me e a bater-me. Foi tudo tão rápido, bateu-me com
três ou quatro socos na cabeça, senti-me tão cansada. Lá do fundo oiço uma voz,
mas não a consigo reconhecer e a partir daí, não me lembro de mais nada.
Dois dias depois acordei, mais uma vez no hospital, a minha mãe chorava perdida por não ter conseguido perceber mais cedo o que se passava e o meu pai consolava-a. Pedia-me incessantemente desculpa.
Eu tinha
flores por todo o quarto, pelo que percebi toda a escola sabia de tudo. A minha
mãe contou-me que foi Rodrigo quem me salvou, chamou a polícia e tinha tratado
de tudo. O médico disse que mais um pouco e podia ter morrido de tão esgotada
que estava. Além disso, também me contou que o Rodrigo tinha sido muito forte e
corajoso, mas ninguém me contou a parte mais importante que só vim a saber mais
tarde pelo próprio. Soube também que a família de Alex estava a pensar partir
para França muito antes do sucedido e quando souberam de tudo, aceleraram a
partida, eles já cá não estavam.
Contudo, sem
eu saber os médicos deram conhecimento à polícia. Eu não queria apresentar
queixa porque apesar da sua ausência, temia o que poderia acontecer depois
deste meu ato, e também porque não queria voltar a ver o Alexandre. Apesar do
medo, fiz o que tenha de ser feito, fi-lo por mim e por todas as raparigas da
minha idade que tal como eu sofrem ou já sofreram de maus tratos dos namorados.
Não podem deixar que o amor sirva de escudo para a violência, o amor tem de ser
defendido, apenas podem trocar a palavra amor por um sinónimo. Foi um processo
longo e penoso, mas acredito que foi uma lição para o Alex, que por isso teve
de vir para Portugal, até encerrar o processo apesar da tentativa de fuga do
país.
Fiquei quase
duas semanas no hospital. Recebi muitas visitas mas nenhuma delas foi da pessoa
que eu mais queria ver e agradecer. Ninguém era capaz de me explicar o porquê
dele não me ir ver.
No dia em
que ia receber alta, insisti com o médico para me dar alta antes do pôr do sol
e consegui! Quando cheguei a casa peguei no meu bloco, numa caneta e fui para a
praia. A minha mãe não me queria deixar ir, mas acabei por convencê-la por não
haver mais o problema “Alex”.
Levei o
bloco porque achava que o Rodrigo tinha voltado para Londres, por isso não me
tinha ido ver, mas quando cheguei à praia ele estava lá sentado sozinho. Penso
que esperava por mim. Sentei-me ao seu lado em silêncio, olhei para o mar, nem
precisou de olhar para mim para saber que era eu. Tive de terminar o silêncio e
perguntei-lhe:
- Porque é que nunca me foste visitar ao hospital?
-Eu fui.
- Foste?
-Todos os dias depois dos teus pais saírem, quando já estavas a dormir, precisava de olhar para ti, sem falar. Precisava de espaço e tempo para pensar. A princípio estava irritado por não me teres contado, mas depois percebi que foi tudo para me proteger a mim e à tua família. E não há maior prova de amor que essa, não é verdade?
-Sim. Desculpa não te ter contado.
- A tua mãe contou-te o que se passou? A última vez que a vi foi naquela noite quando lhe contei tudo. A partir daí evitei toda a gente.
- Até a mim….
-Tu não te lembras o que aconteceu a seguir, pois não?
Parecia triste, sentia-o inseguro, e eu realmente não me lembrava de mais nada a partir do primeiro soco, não sabia o que dizer. Disse a verdade.
-Não. Algo que me devia lembrar?
-Algo que eu não vou ter coragem de fazer outra vez. Esquece isso.
-Rodrigo, eu conheço-te, tu irias estar muito feliz de me veres aqui contigo, íamos falar e de certeza que me tinhas dado um abraço. Por isso, eu quero saber o que se passou eu tenho o direito de saber o que se passou.
- Diz-me só uma coisa, porque é que acabaste o teu namoro com o Alex?
O meu coração parou novamente um milésimo de segundo como no primeiro dia em que o vi. Eu realmente não tinha percebido até ali que o motivo de ter acabado com o Alex tinha sido o amor que existira desde sempre pelo Rodrigo. Estava corada e estava a ferver, mas aquele era o momento para dizer o que sentia.
- Acabei tudo porque gosto de ti.
Falei bem baixinho, porque a coragem não dava para mais. Ele olhou para mim e depois ficou a olhar para o mar alguns minutos, calado. O meu coração estava mais apertadinho que nunca, eu estava também a olhar para o mar. Ele olhou para mim mas eu não tirei os olhos do mar. Eu tinha a mão sobre a areia, quando pôs a sua mão sobre a minha. Arrepiei-me, mas sem nunca desviar o olhar do mar. Com a outra mão, puxou-me para si e beijou-me. Senti o que nunca tinha sentido pelo Alex. Estava novamente no mundo paralelo que estava habituada a estar há muitos anos atrás. Com aquele beijo percebi o que era o amor, que o amava, O Alex tinha sido um desviar do percurso, um obstáculo até encontrar o caminho certo. Quando os nossos lábios se separaram, ele juntou a sua boca ao meu ouvido e disse-me baixinho:
-Foi isto que aconteceu naquela noite. “Agora nunca mais nos separamos”.
É bom sentir
amor por alguém, mas se esse amor é assente no afeto, no carinho e no respeito,
só assim será verdadeiro, só assim será amor!
Carolina Figueiras
Só assim será amor. Lindíssima história de amor, parabéns Carolina escreves, e descreves com tal intensidade, que vi à minha frente cada um dos personagens, entrei na tua "história" não sei se assim se pode chamar, olha minha querida tudo isto, só para te dizer que ADOREI tudo, considera-te uma excelente escritora segue os teus sonhos, porque sinceramente valem muito a pena. Um abracinho!
ResponderExcluirMuito obrigada pela força e pelo apoio pois esses são muito importantes para mim. O meu objetivo é mesmo esse, que entrem na história e que gostem de ler tanto quanto eu gostei de a escrever! Um beijo grande também!
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