24 de outubro de 2015

Sítio



(Imagem retirada da Internet)

Lembro-me como se fosse ontem, passávamos o nosso tempo livre na praia. Era o nosso “esconderijo”. Adoro a praia a qualquer altura do ano, mas especialmente no Inverno e no Outono. “Era uma praia muito grande e quase deserta onde havia rochedos maravilhosos”. Um mundo paralelo onde só eu e ele existíamos. O mar dizia-nos os seus segredos mais profundos e eu ficava fascinada a ouvi-los e a sonhar. O vento falava também, mas com um zumbido fraco. Os pés a enterrarem-se na areia “branca e fina” era uma das melhores sensações que já tive a possibilidade de sentir até hoje. “E a água do mar era transparente e fria”
Íamos para lá, quer fizesse sol ou chuva, ficávamos até ao por do sol e falávamos dos nossos sonhos e desejos, das novidades e dos problemas, sentia-me segura, ali, junto a ele.

Cada um estava numa escola diferente, por isso, aquele era o único momento em que podíamos estar juntos. As nossas casas ficavam muito próximas, mesmo em frente á praia. Os nossos pais eram muito amigos, quase inseparáveis, diria eu, por isso, muitas vezes, juntavam-se e viam-nos da janela, assim, desde crianças sempre fomos muito independentes, no entanto, muito próximos.

Certo dia, eu e o Rodrigo fomos à praia como era habitual, naquele dia, ele ia triste, mesmo quando tinha problemas, nunca ficava assim. Sentámo-nos na areia, eu comecei a ficar preocupada. Ele ainda não tinha dito uma única palavra e já lá estávamos há algum tempo. Como não sabia o que fazer, dei-lhe a mão e disse-lhe que podia contar comigo, só falaria quando e se sentisse vontade. Começou a chorar… até aquele dia nunca o tinha visto chorar! Então debrucei-me e dei-lhe um longo abraço. Ele era “o meu melhor amigo”.

Quando estava mais calmo, começou a falar. Contou-me que o seu pai tinha tido uma proposta de trabalho e que a iria aceitar. Estavam todos muito contentes lá em casa. Na altura, não percebi o motivo de tanta tristeza. Parecia-me uma boa novidade o pai ter arranjado um emprego, já que estava desempregado. Tinha só onze anos, não percebia onde ele queria chegar...

A proposta de trabalho não era no Algarve e sim no Norte do país. Não me lembro de mais pormenores, fiquei sem saber como reagir, sem saber o que dizer. Lembro-me apenas que as lágrimas corriam-me pela cara. Eramos novos, mas ele era o único verdadeiro amigo que eu tinha, mesmo sendo um ano mais velho. E ainda havia mais… a pior parte…ele ia embora no dia seguinte. Tinha guardado aquele segredo durante duas semanas, sempre fingindo estar bem para não estragar os nossos momentos na praia.

Reagi mal, muito mal. Fui para casa e não sai do quarto. Sentia-me traída e com muitos outros sentimentos que para uma criança eram fortes de mais. Achava que aquelas duas semanas deviam ter sido aproveitadas sempre até ao último minuto, mas ele apenas quis que tudo fosse igual e principalmente não me quis ver triste. No dia seguinte, não me fui despedir dele. Escondi-me na praia, sozinha. Hoje, estou muito arrependida! Perdi completamente o contacto com o Rodrigo e com os pais. Já o procurei no -“facebook”-, mas não o encontro.

Hoje, com os meus dezassete anos, ainda penso nisso. No entanto, a vida continua. Continuo a viver no Algarve, onde sempre fui muito feliz. No princípio, deixei de ir à praia…mas mais tarde, percebi que independentemente da saudade que sentisse, aquele lugar teria de ser sempre lembrado e vivido por mim. Nunca levei ninguém para lá, nem mesmo o meu namorado. É o meu esconderijo. A minha mãe preocupava-se comigo, dizia que eu estava agarrada ao passado, mas eu sentia que devia preservar a memória daquele sítio tão especial para mim. Vou para lá quando quero estar só, para ler, estudar, pensar, escrever sempre ao som do mar que é a única melodia que me acalma. Mesmo não sendo com ele, aquele lugar continua a ser um lugar muito especial para mim é o meu lugar secreto.

Estou no curso de humanidades e pretendo ser a primeira portuguesa com livros escritos e traduzidos para o maior número de línguas possível, além das muitas adaptações cinematográficas. Quero mostrar que os Portugueses são bons naquilo que fazem, que o futuro é nosso, pois somos nós que o fazemos. Quero que todos leiam os meus livros e sintam os sentimentos e emoções que as palavras vão transmitindo, tal como o mar faz comigo, transportando os mais variados sentimentos. Gosto também muito de dançar, por isso considero-me uma boa bailarina.

A vida continua, apesar de tudo, a saudade fica. E a saudade doí, dói muito, “é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora” e ao longo destes anos todos era exatamente isso que eu sentia.

Depois do Rodrigo partir, já fiz muitos amigos e já conheci muita gente, muita gente que amo. Tenho uma amiga, a minha melhor amiga, ela vive longe, mas ninguém ocupa o lugar de melhor amigo.

A vida corre-me bem. As notas na escola estão ótimas, desde nova comecei a investir na minha futura “carreira”. Tenho muito apoio do meu namorado, a propósito, chama-se Alexandre mas como gosto de diminutivos chamo-lhe Alex. Ele é dois anos mais velho. Começamos a namorar há dois meses. Foi um pouco confuso e rápido, acho que nem o conheço bem, contudo, sinto-me bem ao seu lado, e o apoio dele agrada-me.

Não preciso de flores todos os dias, de prendas todos os dias e de carinho a toda a hora, só quero uma pessoa que me ame tanto quanto eu. O facto de escrever também me torna bastante realista, contudo acho que me tornei um pouco fria desde que o Rodrigo foi embora. Parece que todos os caminhos vão dar até ele. Às vezes, não sei se estou feliz ou não, uma vez que há um vazio dentro de mim, mas talvez isto seja o que as pessoas felizes sentem, não sei!

Fui para a escola como num dia normal. Quando lá cheguei fui para junto do Alex, demos um beijo longo, acho que ele se esforça de mais para me agradar, não gosto muito disso. Tocou e tive de ir para a aula, íamos para Português. Não me relaciono muito com a turma, todos os meus amigos ficaram separados em turmas diferentes ou noutras escolas. Sento-me sempre sozinha numa mesa com os livros e um pequeno bloco onde aponto tudo o que me vem à cabeça, esse bloco anda sempre comigo. 

Estava completamente noutro mundo, quando entrou um rapaz na sala e pelo que me apercebi era um aluno novo. Não ouvi ou vi mais nada além disso. Ele sentou-se ao meu lado (nunca ninguém se sentava ao meu lado), talvez porque as pessoas me acham um pouco estranha. Não falámos, nem sequer lhe perguntei o nome, nem ele a mim. Fiquei com aquele rapaz na cabeça, fazia-me lembrar o Rodrigo, mas era completamente impossível, sabia-o.

Passei a tarde com o Alex e fomos ao cinema, almoçámos depois fomos fazer uma caminhada. Acho que nessa altura senti o quanto começava a gostar dele. A sua presença fazia-me sorrir e consequentemente feliz. A minha mãe não gostava do nosso relacionamento, dizia sempre que tinha um ar pesado e negativo, que não era pelas roupas, mas, sim, um pressentimento de mãe. Ouvia-a dizer muitas vezes ao meu pai que ele não me iria fazer feliz.

Quando cheguei a casa, fui buscar o meu bloco, uma caneta e fui em direção à praia. Hoje mais que nunca, estava precisar dos conselhos sábios do bater das ondas do mar, dos assobios do vento, do “cantar” das gaivotas e do calor vindo da areia.

No caminho, bem lá do fundo, vi alguém sentado no “meu” lugar! Alguém que não me conhecia e que não soubesse que aquele era o “meu” e só o “meu” sítio. Na verdade, era meu e do Rodrigo. Cheguei perto e reconheci-o imediatamente: era o rapaz que se tinha sentado ao meu lado, na aula de português.
 Então disse-lhe:

- Olha, desculpa mas desde pequena que venho para aqui escrever, e não quero ser mal-educada mas este é um sítio muito pessoal.

Ele ficou a olhar para mim pelo menos durante alguns minutos. Sorriu e eu nem percebi nada, como é lógico, não retribui o sorriso. Um estranho a sorrir para mim, quando eu estava literalmente a mandá-lo embora, um pouco estranho, no mínimo, entretanto perguntou-me:

- Costumas fazer o quê neste lugar que é “teu”, Catarina?

- Vinha muitas vezes aqui com o meu melhor amigo, alguém muito importante para mim, desde muito pequenos, ele e eu eramos muito unidos. Vínhamos falar, brincar, ouvir o mar, as gaivotas, ver o pôr do sol, ouvir o vento, sentir a areia, o cheiro a maresia pelas manhãs, imaginar as imagens das nuvens, ver o tempo passar, aqui tudo era bonito. Neste lugar e com ele, nada era aborrecido. Apesar dele não estar aqui, isso não significava que este tenha deixado de ser o “nosso” lugar, mas tu não percebes, também não sei porque te estou a contar tudo isto.

- Por acaso, até percebo e bastante bem.

-Percebes?

-Sim!

Estava a sorrir de novo, e eu começava a achá-lo sarcástico, coisa que detesto!

- Pois, quem não está a perceber nada sou eu. Como é que sabes o meu nome? Ainda não te tinha dito.

Ele levantou-se da areia, olhou para mim, sorriu mais uma vez. Eu tinha cada vez mais a certeza que conhecia aquela cara, aqueles olhos e aquele sorriso.

- Olha, desculpa, ainda não me apresentei, chamo-me Rodrigo.

Não sei como é que eu estava naquele momento. Fiquei completamente estática e paralisada. Olhei para ele, acabei por sorrir. Estava tão contente que saltei para os seus braços, acabamos por cair os dois na areia.
Eu já ria e chorava tudo ao mesmo tempo. Senti uma explosão de emoções, alegria, felicidade, raiva, medo. Nunca me tinha sentido assim, com tantos sentimentos fortes e diferentes, mas a sensação de felicidade, essa era muito grande, nem mesmo com o Alex nos momentos mais felizes, estive lá perto.

-“Estou tão feliz, tão feliz, tão feliz! Pensei que nunca mais te ia ver” Como é que tu? Porque é que tu?...-acho que estava a gaguejar naquele momento.

-Parece que tenho muita coisa a explicar e a contar-te.

- Pois tens mesmo, por onde andas-te? Tive tantas saudades tuas… Lembro-me na altura, em que partiste, de pensar: “nunca mais o vou ver” ou “nunca mais nos poderemos encontrar”.

- Não houve um único momento em que me esquecesse de ti, achei que não te iria encontrar aqui, muito menos porque naquele dia não te despediste de mim.

-Era uma criança, estava magoada por não me teres contado há mais tempo que te ias embora.

-Eu entendo, devia ter-te contado logo, mas queria que as coisas fossem genuínas e verdadeiras e que sofresses o mínimo possível: acabei por fazer tudo errado.

-O que passou já passou.

Estávamos exatamente onde costumávamos estar antes, sentados exatamente no mesmo sítio, virados para o mar e para o infinito. Ouvia-o atentamente, mas estava também de olhos postos nele. Pensava no quanto ele tinha crescido, no quanto ele tinha mudado. Estava um homem! Os seus olhos azuis da cor do mar, sempre me cativaram, mas nunca tanto como agora.

-Tens razão, então de uma forma muito rápida conto-te: depois de irmos para o Norte, passado um ano mudámo-nos para Londres, o meu pai conseguiu um cargo melhor e nunca me faltou nada.

- Então, por isso, é que nunca consegui contactar-te.

-Pois e eu digo-te o mesmo, procurei-te por toda o lado e nada.

- Estive sempre aqui! Agora voltas-te porquê e com quem?

- Vim por ti e por mim, sem os meus pais. Vim sozinho, tive uma conversa com eles, disse-lhes que gostava de cá voltar, ver o que realmente quero para mim. Eu sei que em Inglaterra terei muitas hipóteses especialmente com a ajuda do meu pai, mas sabes como sou, quero sempre ir por mim.
  Quero acabar o décimo segundo ano em Portugal, depois decido o que vou fazer da vida. Vim por ti porque nunca te esqueci, precisava de te ver. Precisava de saber como estás, não sei porque tive essa necessidade.

O meu coração parou durante um milésimo de segundo. Estava com muitas borboletas na barriga, não sei o que se passava comigo. Continuámos a conversa até decidir ligar à minha mãe, contar-lhe a novidade, ela ficou muito feliz, convidou-o para jantar lá em casa. Depois do jantar, das histórias de infância e de todos os momentos divertidos, voltámos para a praia e passámos lá a noite sem dormir, a contar todos os episódios da vida que nos lembrávamos. Continuava com aquele sentimento estranho, aquela felicidade e aquelas borboletas na barriga. Continuava sem saber o porquê, mas era bom. Estive assim a noite toda. Tinha tantas saudades daquele rapazito que agora já era um rapaz.

 De manhã ao nascer do sol, ficamos deslumbrados a olhar para aquele momento único, como quando eramos crianças. Naquele momento ele deu-me a mão e apertou-a com força, deixei-me cair nos seus braços. Ficámos assim até o sol estar bem alto. Sempre em silêncio, a ouvir todos os sons da natureza, especialmente do mar que sempre foi o nosso favorito.

Fomos juntos para a escola, já não precisava de me sentar sozinha nem de estar sozinha. Tinha-me esquecido completamente do Alex.

Quando entrei pelo corredor com o Rodrigo, o Alex apareceu de rompante e deu-me um longo beijo como sempre fazia. Fiquei sem saber o que dizer nem o que fazer, mas o Alex tratou do assunto.

- Então e quem é este?

- Ah, Alex este é o Rodrigo, Rodrigo este é o Alex.

- Prazer em conhecer-te Rodrigo. Vens comigo lá fora, amor?

- Sim, claro que sim. Até já, Rodrigo.

Estava completamente absorvida pela situação e a pensar no que poderia estar a passar na cabeça do Rodrigo, que nem dei importância ao que o Alex queria. O Rodrigo era o meu melhor amigo, ele tinha-me contado que tinha estado com algumas raparigas, nada sério e eu não percebo o porquê de eu não lhe ter conseguido contar que tinha um namorado que por acaso não me fazia sentir especial como eu pensava.

A minha cabeça estava prestes a explodir, um emaranhado de pensamentos. O dia de aulas passou a correr, o Rodrigo tinha desaparecido, não foi nem à primeira aula da manhã, nem a nenhuma outra. Eu não tinha o número do telemóvel dele, como poderia ter? Tinha acabado de se mudar, nem a sua casa sabia onde era. Esperei até à hora de ir para a praia. Ele estava lá, parecia estar à minha espera. Fui até lá devagarinho e disse:

- Estás zangado comigo?

- Não, não estou zangado, apenas percebi que não confias em mim e não estava preparado para isso. Ontem, contei-te tudo a meu respeito, claro que me posso ter esquecido de algumas coisas, mas o essencial da minha vida, já o sabes.

- Não sei porque não te contei. Não consigo explicar, foi tudo muito rápido e não vou mentir, dizer que não me lembrei, porque não é verdade, lembrei-me, mas não encontrava as palavras certas para te dizer. Desculpa!

- Tu só contas o que quiseres. Tens razão nisso também.

- …Mas eu queria contar, queria mesmo.

- Tudo bem, vamos agora com calma, as coisas vão surgindo e nós vamos contando, ficamos mais um pouco até o sol se pôr? Tenho muito para fazer hoje.

Senti que ele tinha ficado realmente magoado e tinha razões para isso, não dissemos muito mais até irmos para casa.

Tive umas insónias enormes naquela noite, porém serviu para pensar. Tinha de esclarecer todas as minhas dúvidas, tinha minha cabeça num turbilhão.

Decidi no dia seguinte “dedicar-me” mesmo ao beijo que recebo todas as manhãs do Alex. Foi exatamente o que fiz e como já o esperava não senti nada. Na realidade, nunca tinha sentido nada. Nem deixei que ele repetisse o beijo. Combinei falarmos no final das aulas, combinámos beber um café, o objetivo era aproveitar a oportunidade para lhe dizer o que sentia ou o que não senti por ele.

A conversa correu bem, ele reagiu bem ao meu pedido ou então disfarçou muito bem.
Não estava feliz comigo própria por ir terminar o namoro com o Alex, contudo sentia-me bem, sentia-me mais leve, talvez a minha mãe tivesse razão e ele não fosse o homem para mim.
Nessa tarde, não fui à praia, quase nunca falho, como já era tarde, liguei para o Rodrigo, que já tinha telefone, para lhe contar o que se tinha passado. Ficámos algum tempo a falar, expliquei-lhe os meus sentimentos. Ouviu tudo sem interromper. Já não estava zangado, falava com a sua voz doce e meiga, aquela voz que eu conhecia tão bem, então disse:

- Fazes o que sentires que é melhor para ti, vou sempre apoiar-te.

Essas palavras ficaram na minha mente. Estava bem, sabia que era o correto. Nessa mesma noite, quando já estava a dormir o Alex ligou-me. Estava bêbado, consegui perceber pela sua forma de falar. Pediu-me para eu ir à praia, ao sítio que tanto gostava. Achei que era minha obrigação ir. Levantei-me, vesti-me, fiz o mínimo de barulho para os meus pais não acordarem e fui ter com ele.
Estava sentado, sentia o odor a vómito por toda o lado, mas não consegui-a ver onde. Olhei para ele. Ouvi a sua voz e senti o hálito a álcool.

-Como pudeste deixar-me? Achas que não percebi? Eu bem sei que foi por causa do teu amiguinho que chegou. Já sei de tudo, este é o vosso sítio, o teu sítio. São amigos de infância, hã? Nunca me tinhas trazido aqui porquê? Se é tão especial para ti? Foi preciso eu descobrir as coisas sozinho?

 Na verdade, não lhe tinha dito nada, não estava a perceber como ele descobrira tudo isso, mas mesmo antes que eu pudesse dizer uma palavra ele levantou-se e começou a bater-me, desde puxões de cabelos, a socos na cara, na barriga, em todo o lado. Eu já não sentia a dor que me estava a causar, só me lembrei das palavras da minha mãe: “ele não é bom para ti, meu amor, fica longe dele”. Quando se deu por satisfeito, fez-me um aviso. Sei que tinha a ver com o Rodrigo, só não me lembro o que disse ao certo, porque estava a perder a consciência. Foram as últimas palavras que ouvi, acho que depois desmaiei.

Acordei na manhã seguinte, sei que fui encontrada por um pescador, já tinha chamado os meus pais e uma ambulância, ficaram todos preocupados comigo, incluindo o Rodrigo. “Era como se tudo tivesse sido um sonho."
Fui para o hospital, disse sempre que tinha sido assaltada. Não podia correr o risco do Alex fazer mal ao Rodrigo. No dia em que me deram alta, recebi um ramo de flores com um cartão do Alex. Senti um arrepio no estômago, li o cartão, não tencionava contar isto a ninguém, não havia necessidade. Dizia assim: “Meu amor já sei que estás recuperada, a partir de hoje encontramo-nos todas as noites na praia para que aquele seja o nosso sítio e de mais ninguém. Mantem-te afastada do Rodrigo. Com amor Alex.”

Tudo corria bem, quando ele não ia bêbado, apesar de me dar nojo sentir o seu cheiro. Com o passar do tempo ia todas as noites bêbado. Eu acabava sempre por receber algum tipo de agressão, física ou psicológica, ameaças, chantagens ou insinuações, porém suportava tudo e em silêncio pelo pavor que sentia de que este concretizasse as ameaças que fazia todos os dias. Sofria por amor aos meus pais e pelo Rodrigo. O ciúme e a raiva do Alex parecia-me capaz de tudo. Sabia que o Rodrigo percebia que eu estava a afastar-me. Vinha por diversas vezes falar comigo, contudo eu afastava-o.

Até ao dia em que ele decidiu seguir-me pois a minha mãe sabia que eu saia à noite. Já tinha visto algumas nodoas negras espalhadas pelo meu corpo, apesar de eu desculpar-me com os móveis ou com as cadeiras estragadas da escola.
Nessa noite fui para a praia, como sempre, aquele lugar continuava a ser apaixonante apesar de não ir para lá com a pessoa que eu amava. Fazia um mês que não falava com o Rodrigo. Cheguei à praia e nem foi preciso falar. O Alex estava tão bêbado que começou logo a pontapear-me e a bater-me. Foi tudo tão rápido, bateu-me com três ou quatro socos na cabeça, senti-me tão cansada. Lá do fundo oiço uma voz, mas não a consigo reconhecer e a partir daí, não me lembro de mais nada.

Dois dias depois acordei, mais uma vez no hospital, a minha mãe chorava perdida por não ter conseguido perceber mais cedo o que se passava e o meu pai consolava-a. Pedia-me incessantemente desculpa.
Eu tinha flores por todo o quarto, pelo que percebi toda a escola sabia de tudo. A minha mãe contou-me que foi Rodrigo quem me salvou, chamou a polícia e tinha tratado de tudo. O médico disse que mais um pouco e podia ter morrido de tão esgotada que estava. Além disso, também me contou que o Rodrigo tinha sido muito forte e corajoso, mas ninguém me contou a parte mais importante que só vim a saber mais tarde pelo próprio. Soube também que a família de Alex estava a pensar partir para França muito antes do sucedido e quando souberam de tudo, aceleraram a partida, eles já cá não estavam.

Contudo, sem eu saber os médicos deram conhecimento à polícia. Eu não queria apresentar queixa porque apesar da sua ausência, temia o que poderia acontecer depois deste meu ato, e também porque não queria voltar a ver o Alexandre. Apesar do medo, fiz o que tenha de ser feito, fi-lo por mim e por todas as raparigas da minha idade que tal como eu sofrem ou já sofreram de maus tratos dos namorados. Não podem deixar que o amor sirva de escudo para a violência, o amor tem de ser defendido, apenas podem trocar a palavra amor por um sinónimo. Foi um processo longo e penoso, mas acredito que foi uma lição para o Alex, que por isso teve de vir para Portugal, até encerrar o processo apesar da tentativa de fuga do país.

Fiquei quase duas semanas no hospital. Recebi muitas visitas mas nenhuma delas foi da pessoa que eu mais queria ver e agradecer. Ninguém era capaz de me explicar o porquê dele não me ir ver.
No dia em que ia receber alta, insisti com o médico para me dar alta antes do pôr do sol e consegui! Quando cheguei a casa peguei no meu bloco, numa caneta e fui para a praia. A minha mãe não me queria deixar ir, mas acabei por convencê-la por não haver mais o problema “Alex”.
Levei o bloco porque achava que o Rodrigo tinha voltado para Londres, por isso não me tinha ido ver, mas quando cheguei à praia ele estava lá sentado sozinho. Penso que esperava por mim. Sentei-me ao seu lado em silêncio, olhei para o mar, nem precisou de olhar para mim para saber que era eu. Tive de terminar o silêncio e perguntei-lhe:

- Porque é que nunca me foste visitar ao hospital?

-Eu fui.

- Foste?

-Todos os dias depois dos teus pais saírem, quando já estavas a dormir, precisava de olhar para ti, sem falar. Precisava de espaço e tempo para pensar. A princípio estava irritado por não me teres contado, mas depois percebi que foi tudo para me proteger a mim e à tua família. E não há maior prova de amor que essa, não é verdade?

-Sim. Desculpa não te ter contado.

- A tua mãe contou-te o que se passou? A última vez que a vi foi naquela noite quando lhe contei tudo. A partir daí evitei toda a gente.

- Até a mim….

-Tu não te lembras o que aconteceu a seguir, pois não?

Parecia triste, sentia-o inseguro, e eu realmente não me lembrava de mais nada a partir do primeiro soco, não sabia o que dizer. Disse a verdade.

-Não. Algo que me devia lembrar?

-Algo que eu não vou ter coragem de fazer outra vez. Esquece isso.

-Rodrigo, eu conheço-te, tu irias estar muito feliz de me veres aqui contigo, íamos falar e de certeza que me tinhas dado um abraço. Por isso, eu quero saber o que se passou eu tenho o direito de saber o que se passou.

- Diz-me só uma coisa, porque é que acabaste o teu namoro com o Alex?

O meu coração parou novamente um milésimo de segundo como no primeiro dia em que o vi. Eu realmente não tinha percebido até ali que o motivo de ter acabado com o Alex tinha sido o amor que existira desde sempre pelo Rodrigo. Estava corada e estava a ferver, mas aquele era o momento para dizer o que sentia.

- Acabei tudo porque gosto de ti.

Falei bem baixinho, porque a coragem não dava para mais. Ele olhou para mim e depois ficou a olhar para o mar alguns minutos, calado. O meu coração estava mais apertadinho que nunca, eu estava também a olhar para o mar. Ele olhou para mim mas eu não tirei os olhos do mar. Eu tinha a mão sobre a areia, quando pôs a sua mão sobre a minha. Arrepiei-me, mas sem nunca desviar o olhar do mar. Com a outra mão, puxou-me para si e beijou-me. Senti o que nunca tinha sentido pelo Alex. Estava novamente no mundo paralelo que estava habituada a estar há muitos anos atrás. Com aquele beijo percebi o que era o amor, que o amava, O Alex tinha sido um desviar do percurso, um obstáculo até encontrar o caminho certo. Quando os nossos lábios se separaram, ele juntou a sua boca ao meu ouvido e disse-me baixinho:

-Foi isto que aconteceu naquela noite. “Agora nunca mais nos separamos”.

É bom sentir amor por alguém, mas se esse amor é assente no afeto, no carinho e no respeito, só assim será verdadeiro, só assim será amor!


Carolina Figueiras

2 comentários:

  1. Só assim será amor. Lindíssima história de amor, parabéns Carolina escreves, e descreves com tal intensidade, que vi à minha frente cada um dos personagens, entrei na tua "história" não sei se assim se pode chamar, olha minha querida tudo isto, só para te dizer que ADOREI tudo, considera-te uma excelente escritora segue os teus sonhos, porque sinceramente valem muito a pena. Um abracinho!

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    1. Muito obrigada pela força e pelo apoio pois esses são muito importantes para mim. O meu objetivo é mesmo esse, que entrem na história e que gostem de ler tanto quanto eu gostei de a escrever! Um beijo grande também!

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